Determinar o que pode funcionar e o que as pessoas podem fazer é planejamento centralizado
Nos últimos meses, ao redor do mundo, governos mantiveram seus próprios cidadãos como reféns em nome de “proteger o povo”.
O que eles não conseguiram entender — ou ao menos fingem não entender — é que todas as restrições que colocam têm custos. Ao forçarem a quarentena sobre seus cidadãos, os governos retiraram a capacidade de cada indivíduo avaliar por conta própria esses custos. Não aboliram apenas a liberdade individual. Aboliram, acima de tudo, a responsabilidade individual.
As feridas que o coronavírus infligiu à sociedade serão simplesmente aprofundadas por essas inimagináveis intervenções governamentais, que se sucedem em profusão. Os governos conseguiram apenas dar ao povo mais um inimigo a ser vencido nessa guerra contra o coronavírus. Aqueles que argumentam que as medidas tomadas são necessárias para evitar mortes desnecessárias se recusam a ver que essas mesmas medidas, sem dúvida, custarão muitas outras vidas e meios de subsistência no futuro.
Muitas vezes parece que apenas um lado da equação é levado em consideração durante esta crise. A própria ONU divulgou recentemente um relatório afirmando que, devido à crise econômica causada pelo desligamento compulsório da economia feito pelos governos, centenas de milhares de crianças poderão morrer apenas este ano. Mais especificamente, a Unicef afirma que o lockdown matará muito mais que a Covid, sendo 1,2 milhão de mortes apenas de crianças. Para piorar, estimam que de 42 a 66 milhões de crianças podem cair em extrema pobreza nos próximos anos. E isso sem contar os inevitáveis casos de suicídio e depressão gerados pelo desemprego artificialmente imposto.
Esses números, embora estimativas, levantam uma questão para as autoridades: qual o valor aceitável? Quanto é o bastante?
Nenhum governo possui um bom histórico de resposta a esta pergunta. Mesmo ao tentarem responder, já estão propensos a fracassar. E isso é uma questão de história. Já está mais do que comprovado que o planejamento centralizado não funciona. A história nunca se cansa de demonstrar isso. Impor limites como “apenas trinta pessoas para um funeral” ou “máximo de dez pessoas em casamentos” são exemplos de restrições arbitrárias que surgem quando um pequeno número de burocratas tentam planejar centralizadamente uma solução ideal. Um governo que tenta organizar a sociedade dessa maneira em nada se difere da economia controlada da União Soviética, cujos burocratas não sabiam nem quantas batatas deveriam ser produzidas no ano.
Ambos os cenários têm consequências ruinosas, e as ramificações de uma reação errada a esse vírus podem nos assombrar pelas próximas gerações. A solução mais racional seria permitir que indivíduos decidissem livremente suas próprias ações com base em suas próprias preferências de risco. E arcassem com as consequências. Isso é liberdade. Isso é responsabilidade.
Embora a Covid-19 seja classificada como pandemia, ela não é diferente de qualquer outro cenário em que um indivíduo tem de agir. O indivíduo, em qualquer situação, deve decidir tendo por base seu próprio cálculo de custo versus benefício. Apenas o indivíduo é capaz de saber por si próprio qual decisão é ideal de acordo com sua própria preferência de risco e sua situação pessoal, e não burocratas e políticos.
Isso é realmente algo bem básico e lógico, mas, nestes tempos estranhos, enfatizar o básico e o lógico tornou-se sinônimo de “radical”.
No início, os burocratas mandaram todo mundo ficar em casa para “nosso próprio bem”. Depois, passaram a falar que a quarentena era para “dar tempo” para que o sistema de saúde se preparasse para receber uma sobrecarga de pacientes. Em seguida, disseram que o objetivo era “achatar a curva”. Agora, já estão dizendo que é para ficarmos confinados até “acharem uma vacina”.
Já está bastante óbvio que esses políticos e burocratas não têm a mais mínima ideia do que estão fazendo. Nunca nem sequer tiveram um objetivo claro.
Sim, a decisão ótima para a sociedade pode muito bem ser a de limitar o risco ao ponto de a curva ser achatada. No entanto, recorrer a isso como uma razão para impor restrições é injustificado. Analisando o retrospecto histórico, o manejo governamental destas “externalidades” sempre foi, na melhor das hipóteses, desastroso — qual foi a última vez que um governo sequer soube coordenar bem uma equipe em uma enchente ou em um terremoto?.
A explicação dessa incompetência é que esses burocratas em quem confiamos para fazer esses cálculos de “otimizar” os benefícios sociais são, na verdade, apenas seres humanos como nós. Eles estão sujeitos a ideologias, a influências, a politicagens, a serem tendenciosos e, acima de tudo, a erros humanos. Inevitável.
Pouco importa o fato de que, em situações como essas, os interesses dos governos raramente estão alinhados com os do povo. Nossos interesses são muito mais longevos do que os mandatos de políticos e burocratas. Quando chegar o momento de arcar com todos os ônus do desligamento compulsório da economia, os burocratas que nos mantiveram trancados em nossas casas já estarão fora da política e não serão responsabilizados. Os interesses deles dependem de que eles sejam capazes de enganar você e fazê-lo pensar que eles estão mantendo você seguro. Isso envolve o uso maciço de uma linguagem orwelliana em um arranjo social já emocionalmente carregado. O lema da política sempre foi “nunca permita que uma boa crise seja desperdiçada“.
Eles irão insistir em dados que mostrem quantas vidas “foram salvas no curto prazo” [João Dória já está fazendo isso abertamente], sem considerar quaisquer danos a longo prazo causados pela quarentena. Você não verá nem ouvirá nenhum líder na televisão falando sobre o custo econômico da quarentena, pois não é politicamente aceitável “colocar um preço na vida”.
No entanto, os indivíduos fazem isso todos os dias, em todos os aspectos de suas vidas. Um indivíduo sabe do risco em que incorre ao dirigir em uma estrada, mas ainda assim insiste em dirigir porque a recompensa trazida por esse risco mais do que compensa o próprio risco incorrido. É essa liberdade de escolha que deve ser protegida sempre, e ainda mais especialmente em épocas como essa.
A Covid-19, sem dúvidas, terá efeitos negativos sobre o bem-estar das pessoas, de modo que abolir essa liberdade de escolha irá paralisar ainda mais uma sociedade já mutilada.
Em um recente artigo publicado no periódico medicinal The Lancet, o clínico sueco de doenças infecciosas Johan Gieseck escreve que as “quarentenas não reduzem o total de mortes”, e afirma que, quando tudo acabar, as jurisdições que não fizeram quarentena provavelmente terão taxas de mortalidade semelhantes às das áreas que praticaram a quarentena. Ele acredita ser inevitável que toda a população venha a ser exposta ao novo coronavírus em algum momento no futuro, e, por isso, acredita que a quarentena irá apenas adiar os casos graves por um tempo.
Se isso é verdade saberemos depois, mas mostra que sacrificar cegamente as liberdades individuais em nome da segurança é ingênuo (normalmente, fica-se sem as duas).
Mas se é verdade que os governos apenas adiaram o inevitável em troca de criarem um tsunami de estragos econômicos, a pergunta que fica é: eles assumirão a responsabilidade? Improvável. O novo coronavírus, embora seja a causa inicial da dor, será usado como bode expiatório para todas as doenças causadas pelos governos. Estratégias forçadas como “achatar a curva” ou “confinamento até encontrarem a vacina” são justificadas com base em conselhos de especialistas em saúde, que são eles próprios inconsistentes. No final, a verdadeira estratégia ótima será confirmada pelas ações de indivíduos livres, como sempre.
À luz de tudo isso, parece imprudente entregarmos nosso destino aos governos e confiarmos em políticos e burocratas para calcular quantas pessoas podem utilizar um parque ou quantas podem frequentar um restaurante. Ou mesmo para nos dizerem por quais motivos vale a pena sairmos de casa para arriscar uma exposição.
Com as novas informações divulgadas pela própria ONU sobre as calamidades futuras em decorrência das políticas de confinamento, ficou ainda mais óbvio que os governos de todo o mundo são incapazes de avaliar o que é melhor para o interesse de uma sociedade. Por mais tentador que seja acreditar que os governos estão nos protegendo com a quarentena, o fato é que eles estão muito mais prejudicando a sociedade do que ajudando, assim como fazem com todas as suas outras regulamentações e todos os seus decretos.
Em uma época em que uma única medida errada do governo pode se revelar mais custosa do que em épocas normais, manter nossas liberdades individuais nunca foi tão crucial.
Disponível em Instituto Mises Brasil: bit.ly/2MSj9CM
Educação financeira só será possível com ação conjunta do mercado e do governo. Apesar de avanços, resultados não são imediatos O superendividamento é...
Saiba maisTodas as pessoas em sociedade, sem exceção, lidam com o dinheiro. Não por escolha, mas porque é preciso. No entanto, ainda assim, a educação...
Saiba maisA renda baixa do brasileiro dificulta atingir essa meta, mas a educação financeira tem um potencial transformador A independência financeira...
Saiba mais