Neurociência e aprendizagem: Aristóteles disse que “nada está no intelecto sem antes ter passado pelos sentidos”. Divergindo de Platão, ele afirmou que nossos pensamentos não surgem do contato de nossa alma com o mundo das ideias, mas da experiência sensível. Aristóteles enumerou cinco sentidos que, segundo ele, eram responsáveis por toda codificação sensorial. Esses sentidos são aqueles que apresentamos até hoje nas escolas: visão, audição, tato, olfato e paladar.
Descartes, por sua vez, afirmou sobre o tato o seguinte: que um cordão levava ao cérebro o estímulo sensorial aplicado à pele e, assim, fazia com que ela se estirasse. Em parte, sua teoria estava correta.
Sabemos que recebemos informações do meio ambiente por meio de sensações táteis, auditivas, visuais e químicas (gustativas e olfatórias), mas a neurociência e os livros de neuroanatomia nos informam que existem muitas outras modalidades sensoriais, além das cinco que aprendemos e ensinamos aos nossos alunos. Em sala de aula, precisamos trabalhar essas outras modalidades sensoriais e ensiná-las aos nossos(as) alunos(as) para que produzam autoconhecimento e aprendizagens.
Como escrevi em minha coluna anterior, a aprendizagem é a informação que fica na memória de longa duração, podendo ser resgatada sempre que precisamos. As informações do meio ambiente chegam à memória através da percepção desse meio externo e interno. A razão para percebermos esse mundo é a necessidade de agirmos sobre ele. Por exemplo, a dor de cabeça ou de barriga é percebida por nós e gera uma ação. Mas qual sentido, dos cinco que conhecemos, utilizamos para perceber a dor? Nenhum deles!
A dor é uma das modalidades sensoriais que temos e é importantíssima para a sobrevivência e proteção do ser humano. Durante a maior parte de nossa existência, não temos consciência das informações provenientes de nosso corpo. Aliás, nem todas elas produzem percepção! Além da dor, temos outras modalidades sensoriais como a termossensibilidade, a pressão, o equilíbrio, a vibração, a cócega, a coceira e a propriocepção.
Na Educação Infantil e séries iniciais, todas as modalidades sensoriais podem ser utilizadas com mais frequência e devem ser ensinadas para que o aluno ou a aluna atinja um nível de autoconhecimento necessário para aquisição de sua autonomia e uma melhor aprendizagem.
Conversar sobre propriocepção, ensinando os pequenos a perceber seu corpo e orientar-se é fundamental. Propriocepção é a capacidade de perceber onde está cada parte do corpo, os movimentos dos membros e do corpo em geral, mesmo de olhos fechados! Fazer com que os(as) pequenos(as) toquem com o dedo na ponta do nariz de olhos fechados, por exemplo, faz com que várias partes do corpo estejam coordenadas para o movimento que se está tentando fazer. Quando trabalhamos o equilíbrio estamos trabalhando a propriocepção.
Perceber a temperatura do ambiente e organizar o nosso comportamento de modo a adaptar-se faz parte da sensibilidade térmica. Perceber se o alimento está quente ou frio também faz parte dessa modalidade. As crianças precisam aprender o que acontece quando o corpo sente frio – por exemplo, se não nos agasalhamos, trememos ou nos movimentamos para gerar calor muscular e ficamos pálidos por conta de uma vasoconstrição cutânea. Já no calor, diminuímos a movimentação corporal, suamos e ficamos vermelhos para perder calor da pele. Essa percepção precisa ser ensinada e trabalhada.
Um ambiente de aprendizagem rico em estímulos aguça os sentidos. O educador ou a educadora deve procurar formas variadas de ensinar o mesmo conteúdo, fazendo com que várias áreas do cérebro trabalhem ao mesmo tempo. Dessa forma, será capaz de atingir aprendizes visuais, auditivos e cinestésicos, que têm preferência por um determinado tipo de aprendizagem. Há quem goste de ler em voz alta, outros(as) preferem ler ou desenhar para estudar, uns(umas) usam mapas mentais com facilidade e outros(as) ainda preferem a “mão na massa” – os(as) que aprendem melhor através de experiências.
Em sala de aula, entretanto, as estratégias utilizadas pelos professores e professoras ativam, com maior frequência, a visão e a audição. Com certeza, a visão e a audição contribuem para aprendizagem em uma medida muito maior do que as outras modalidades sensoriais. Dificilmente o(a) professor(a) pensa em uma estratégia que utilize o olfato; mas imagine, por exemplo, que o(a) professor(a) colocasse uma essência de café na sala de aula ao falar do ciclo do café? Ou convidasse os alunos e as alunas a beber um caldo de cana-de-açúcar durante a apresentação do ciclo da cana-de-açúcar? Esse estímulo sensorial pode auxiliar na retenção da informação, já que, além da audição e visão, outro sentido seria estimulado.
* Kátia Chedid educadora e psicopedagoga, além de já ter trabalhado como coordenadora pedagógica e orientadora educacional – no total, Kátia conta com mais de 30 anos de experiência na área. Tem extensão em Neuropsicologia e especialização em Neurociência. Ministrou cursos e palestras como “Contribuições da neurociência para a prática na sala de aula” e “Educação e Neurociência” e tem artigos publicados em seu site, katiachedid.com.br.
Este texto foi originalmente publicado em 10 de julho de 2016 e atualizado em 26 de outubro de 2020.
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