Por Edson Lemos
Que lições, além do futebol, podemos aprender com Josep Guardiola i Sala, ou Pep Guardiola, ex-volante espanhol e mais prolífico técnico de futebol das últimas décadas?
No dia 29 de maio de 2021, o Chelsea conquistou o bicampeonato da Liga dos Campeões em Lisboa, o Manchester City por 1×0, igualando-se ao Benfica, Porto e Juventus. Com gol de Havertz, os blues venceram o badalado adversário inglês, que busca uma conquista inédita após ter liquidado potências como o Borussia Dortmund de Haaland e o Paris Saint Germain (PSG) de Neymar e Mbappé. Mesmo figurando entre os maiores da Inglaterra disputando bem o torneio continental, não era tão badalado quanto o Manchester City, em que jornalistas, comentaristas esportivos, treinadores e muitos clubes, com bons motivos, haviam “apostado”, dentre eles, o próprio Guardiola.
Numa ótima campanha no torneio europeu, o City havia ganhado 13 dos 14 jogos que disputou até chegar a finalíssima, com o Chelsea, campeão da Champions em 2012. A consistência de jogo, a prudência da zaga e os desarmes de Kanté predominaram, e logo veio o gol de Havertz aos 41minutos do primeiro tempo. Uma rapidíssima mudança de enquadro e as câmeras da FIFA registram, de novo, Guardiola. Prevaleceu a equipe de Thomas Tuchel, ex-técnico do PSG, que havia chegado à final de 2020 sob o seu comando, conquistar seu primeiro título continental. Embora tenha brilhado a estrela do técnico alemão, a expectativa era de que Pep ganharia. O City ganhou a pompa de favorito por seu excelente retrospecto de conquistas nacionais, dominando a Inglaterra, somado ao currículo respeitável do técnico espanhol, recém chegado dos implacáveis Barcelona e Bayern de Munique que ajudou a construir.
O futebol de Guardiola tornou-se um modelo a ser estudado, assombrando o Real Madrid por muito tempo (2008-2012), e o mundo soube que era o melhor time da época. Ganhou todos os títulos possíveis com o clube catalão e revelou ao mundo Lionel Messi como o mais imprevisível e mortal dos craques. Com Pep, ele já não era mais coadjuvante de Ronaldinho Gaúcho e conquistou vários torneios nacionais, continentais e mundiais (14 títulos em 4 anos). Guardiola considerou a final do Mundial de Clubes da FIFA em dezembro de 2011, em que o Santos foi massacrado por 4×0, como o futebol no ápice da perfeição.
Transferindo-se para o Bayern de Munique em 2013, Guardiola impõe sua supremacia e conquista três títulos nacionais consecutivos, além do Mundial de Clubes da FIFA. Sobre a transferência para o clube alemão, sem negligenciar relatos importantes sobre seu tempo no Barcelona, trata o livro Guardiola Confidencial, (Editora Grande Área, 2015). Em 2016, Guardiola assumiu o Manchester City, um clube pequeno, mas que recebeu bilhões de um grupo árabe, e com o clube emplacou novamente sua primazia como treinador, ganhando 10 títulos nacionais, afugentando gigantes absolutos como Liverpool, Manchester United e Arsenal.
As táticas aplicadas por Guardiola, acreditem, têm vínculo com a seleção brasileira tricampeã de Zagalo, de 1970 — quando mais se ganhou com contra-ataques, trocas de passes e abertura para a genialidade de Pelé operando junto com mais quatro camisas 10, sendo uma equipe mais equiparada às europeias. Isso viria a ser explorado pelo holandês Johan Cruyff — e sua mística “laranja mecânica”, instaurando o dito “futebol total”, que zelava pela marcação por zona, variação de posições e posse de bola. Ele foi um dos protagonistas principais da Copa de 1974 e que viria a treinar o Barcelona do próprio Guardiola (quando foi vice-campeão Mundial em 1992, perdendo para o São Paulo de Telê Santana), com quem ele apreendeu quando virou técnico. No famoso clube famoso catalão, Guardiola não se utilizou apenas do preparo físico e da marcação por zona, mas também do “tik-taka” — troca de passes incessantes visando cansar o adversário e abrir espaços para uma jogada de ataque —, da ênfase na posição dos jogadores e, principalmente, da posse de bola. Assim, o Barcelona encantou o mundo com a sua fluidez, seu domínio de jogo, sua prudência na troca de passes, sua pressão (com e sem a bola), ótimas assistências e gols. Além disso, o que o futebol de Guardiola pode nos ensinar em termos de empreendedorismo e liderança? Podemos citar a inovação, a liberdade de escolher jogar com os melhores, a adaptação, a criação e a manutenção de um plano, mas também um ter plano B.
Inovação. O Barcelona do recém-chegado Guardiola disputava o campeonato espanhol ponto a ponto com o arquirrival Real Madrid, mas ele observou uma blindagem no clube madrilenho: os meias Gago e Gutti, junto com os zagueiros Cannavaro e Metzelder, formavam um bloqueio incondicional ao ataque do Barça. Consciente das habilidades que Messi desempenhava, Guardiola idealizou jogadas para vencer o clássico, idealizando o “falso 9”. Messi foi escalado com o número 9, o que indicava ser apenas um atacante (cuja função é finalizar jogadas e marcar os gols), e deu a ele a missão de se movimentar entre os quatro jogadores citados, e liberar espaços para seus colegas entrarem na área e fazerem gols. Nessa partida, o Barcelona goleou o Real Madrid por 6×2 em pleno Santiago Bernabeu. Além dessa vitória, Guardiola ajudou o clube a La Liga de 2009. Dessa forma, pode-se também dizer que a um gestor de uma empresa não basta criar ou vender mais do mesmo serviço ou produto, mas criar algo que, apesar de se confundir com o padrão (o falso 9), faça o consumidor sentir uma mudança drástica mesmo lidando com algo que já existe. Vários são os usos do termo “inovação”, dentre eles, o utilizado pela pesquisadora Sandra Marchi: ela compactou os nomes das cores em braile e inventou um adesivo tátil, por meio do qual os cegos saberiam se uma blusa, um violão ou um esmalte era branco, verde, azul, vermelho etc. Sem a autonomia criada para os cegos para comprarem uma camiseta vermelha sem a tutela de alguém, aquela seria apenas mais uma camiseta vermelha.
Escolha os melhores. “Ah, queria ver o Guardiola dirigir um time brasileiro e com ele ganhar a Libertadores”. O bordão acima só evidencia o quão pouco muitos brasileiros entendem sobre o capitalismo. Nele existem produtos, e o mesmo ocorre com o futebol, que vende emoções. Afirmações como essas só reforçam a mediocridade. Basta olhar para os clubes mais populares e entender que, em prol do interesse de muitas pessoas e do consumo delas, Flamengo e Palmeiras, por exemplo, canalizam patrocinadores e, por conseguinte, mais conquistas. Se o Guardiola é muito bom, ele merece estar nos melhores clubes, trabalhando com as melhores estruturas e dirigentes, dispondo dos melhores patrocínios e jogadores, como assentou Bruno Formiga, numa de suas análises sobre a performance do técnico. Assim como é bom não convidar para o seu time aquele que não lhe parece melhor, é recomendável optar por pessoas engenhosas, capazes de executar o projeto e terem sucesso; por isso é bom ter cautela ao contratar e agilidade para demitir, instruía Steve Jobs.
Adaptação. Logo após escolher o Bayern München, mesmo depois do sucesso no Barcelona, Guardiola não se contentou só em mudar de clube, mas se esforçou bastante para aprender alemão. Na primeira coletiva de imprensa — e para surpresa de muitos —, o espanhol falou tão bem o alemão que assustou o público com sua fluência, comparada a de um nativo. Além disso, adaptou sua forma de jogar: no Barcelona, o jogo era mais paciente, com passe de bola e troca de passes, enquanto que, no Bayern, a equipe era mais forte e veloz; já no City, cemos um estilo mais híbrido. Adapte-se. Aprenda a desempenhar mais funções e evolua o modo de trabalhar. Apesar da importância de se ter uma rotina, segui-la religiosamente pode ser negativo, quando nela se consome o mesmo gênero musical, o mesmo tipo de comida ou se faz ou o mesmo caminho de ida e volta para o trabalho. Consultar novos métodos, fazer novas conexões, aprender outros hobbies, estudar um idioma, criar ou ampliar um hábito de leitura são alternativas que precedem a otimização da produtividade.
Tenha um plano. Em um vídeo, o francês Thierry Henry, diante de um painel digital interativo, revelou que Guardiola prezava pelos passes, posse de bola e posição. Num jogo contra o Real Madrid, o Barcelona sempre agia para liberar a terceira parte do campo para os pontas e centroavantes, deixando jogadores como Henry e David Villa sempre livres para receber a bola e conduzi-la sob vantagem númerica. Quando perguntado por um dos apresentadores sobre o que ocorreria se ele mudasse de posição, o francês respondeu que, mesmo tendo feito um gol na partida, por se atrever a inverter a posição, foi substituído. Henry tinha apenas que confiar que seu companheiro e esperar a bola, porém violou o plano tático da equipe. Evite queimar etapas: saiba onde quer chegar desde o início e trace um plano, respeite-o, preze pelo cumprimento de cada tarefa e delegue-as para a equipe confiando na competência de cada um, criando uma cultura de criatividade, com visão de longo prazo, mas que ainda tem mais fé no projeto que nas pessoas.
Tenha um plano B. Mesmo com célebres craques fixados na mente dos torcedores, Guardiola costuma aplicar variações nas escalações, de modo a saber em que outros jogadores pode confiar caso tenha que substituir os titulares. Assim, ele descobria quem podia fazer a diferença e como reverter uma derrota parcial, sem prejudicar suas definições táticas e mantendo a regularidade da equipe durante a temporada. O “se” deve entrar em jogo. Não se deve achar que o plano “A” seja tão contundente assim, pois sob a custódia dos “mares revoltos”, as empresas por vezes concluem que há maneiras mais eficazes de resolver um problema, para recuperar ou atingir seus lucros, como alternativa à ideia implementada no início. Veja o caso do Youtube, por exemplo. Seus fundadores, Steve Chen, Chad Hurley e Jawed Karin, estabeleciam a forma como os internautas deveriam upar os vídeos, até descobrirem que o ideal era focar inteiramente no usuário, permitindo-lhe postar conteúdos de diversas categorias, o que depois fez o site atingir 100 milhões de visualizações diárias e culminou em sua aquisição pelo Google por R$ 1,65 bilhões. Ele se tornou o canal facilitador para o surgimento de novos talentos, denonimados “youtubers” (influencers), trouxe mais liberdade de expressão ao permitir que o que antes só se podia “oficialmente” ver ou explicar pelas lentes dos noticiários de TV, moldando a transição para o que conhecemos hoje como “streaming”.
Entre outras coisas, mesmo ainda comandando o Manchester City, Guardiola já havia deixado seu legado. As duas penúltimas seleções campeãs da Copa do mundo tinham elencos treinados pelo espanhol, como a Espanha em 2010, que contou com vários protagonistas do seu Barcelona e a Alemanha em 2014, com jogadores daquele Bayern München, onde se viu as técnicas aplicadas por Guardiola, um dos mais influentes treinadores do futebol moderno, um pioneiro.
Dispondo do termo, de modo a incentivar a leitura e difundir bem mais que este artigo, aqui vai um livro indispensável para a formação de novos líderes e empreendedores: “Pioneirismo: um pequeno passo para a liberdade”, livro da LVM lançado pelo Instituto de Formação de Líderes de São Paulo em 2020. Na obra estão artigos inéditos de associados sobre estratégia, organização e desenvolvimento pessoal, e nela um tratado sobre precursores como Benjamin Franklin, Adam Smith, Albert Einstein e Barão de Mauá. O livro pode ser comprado no site da editora.
*Edson Lemos é bacharel em Design Gráfico. É associado do IFL-SP e CEO e fundador da My Comics, startup que adapta quadrinhos para surdos e cegos.
Disponível em Boletim da Liberdade: https://bit.ly/3AncAPe
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