Na academia e no meio econômico, muito pouca atenção é dada ao papel da poupança no progresso da sociedade. Ao mesmo tempo, uma enorme importância é direcionada ao papel do consumo.
Essa é uma situação curiosa.
Embora seja verdade que o objetivo supremo de toda atividade humana é o consumo — você trabalha e produz visando a uma renda que então irá lhe permitir pagar por produtos e serviços —, o fato é que não é possível haver consumo sem que antes tenha havido produção. E não é possível haver produção sem antes ter havido poupança.
Explico.
A natureza, por si só, nos agraciou com pouquíssimos bens de consumo, como maçãs em árvores ou frutas silvestres em arbustos. Se quisermos obter qualquer coisa além deste nível de consumo ofertado pela natureza, temos de antes produzir os bens que posteriormente iremos consumir.
Ou seja, primeiro temos de criar e construir ferramentas, instrumentos ou máquinas — em termos econômicos: bens de capital ou bens de produção —, os quais irão então nos ajudar a elevar a quantidade de bens de consumo fornecidos pela natureza (como maçãs e frutas silvestres) para um nível acima de sua quantidade natural ou que, melhor ainda, irão nos ajudar a criar bens de consumo totalmente novos, isto é, bens que não existem na natureza (como casas e carros).
No entanto, inventar, desenvolver e construir esses bens de capital (como facas, baldes, redes, martelos, tijolos, placas de aço etc.) são atividades que demandam tempo. E para sobreviver ao tempo necessário para a construção destes bens — isto é, ter o que comer e beber enquanto trabalha nestas atividades —, uma poupança prévia de alimentos e bebidas é necessária. Sem essa poupança prévia, e sem o “investimento” desta poupança na produção e na acumulação de bens de capital, nenhum aumento do consumo futuro será possível.
Indo para um arranjo mais moderno, uma sociedade que consumisse todos os recursos escassos disponíveis, sem poupar nada, não teria como transformar este recursos escassos em bens de capital. Não haveria cimento, aço, vergalhões, tijolos, azulejos, plástico, alumínio e vários outros recursos escassos para serem usados como insumos na produção. Consequentemente, nada conseguiriam produzir para o futuro. Assim, em uma sociedade puramente consumista não haveria um único bem de capital existente: não haveria moradias, não haveria fábricas, não haveria infraestruturas, não haveria meios de transporte, não haveria maquinários, não haveria escritórios e imóveis comerciais, não haveria laboratórios. Também não haveria cientistas, não haveria arquitetos, não haveria universidades.
Todos os indivíduos estariam permanentemente ocupados produzindo bens de consumo básicos — comidas e vestes — para serem imediatamente consumidos, e não dedicariam nem um segundo para a produção de bens de capital, que são investimentos de longo prazo que geram bens futuros. Por definição, se uma sociedade consome 100% da sua renda, ela não produz nenhum outro bem que não seja de consumo imediato.
O fato de economistas darem pouca ou nenhuma atenção e importância à questão da poupança, não obstante sua enorme importância, é uma questão relacionada à psicologia ou à sociologia da profissão econômica. Naturalmente, a explicação terá de ser um tanto especulativa.
O mais aparente motivo é a dominante influência adquirida por John Maynard Keynes e sua “economia keynesiana” desde o final da década de 1930, primeiro na Grã-Bretanha, depois nos EUA (capitaneada pelo influente Paul Samuelson), e dali ao redor de todo o mundo ocidental. Caracteristicamente, o livro Economics, de Samuelson, se tornou o mais influente livro-texto de economia do mundo pós-guerra, com pelo menos 3 milhões de cópias vendidas em 31 idiomas distintos. (A título de curiosidade, na edição de 1989, Samuelson escreveu: “A economia soviética é a prova cabal de que, contrariamente àquilo em que muitos céticos haviam prematuramente acreditado, uma economia planificada socialista pode não apenas funcionar, como também prosperar”. Dois anos depois, a URSS acabou.)
Entretanto, a razão mais fundamental para esta predominância keynesiana é outra, e envolve a imediata pergunta que se segue à explicação acima: por que e como a economia keynesiana alcançou tamanho e extraordinário sucesso?
A resposta: porque o keynesianismo ensina exatamente tudo aquilo que políticos e governos querem ouvir. E dizer e propagar aquilo que governos gostam de ouvir com o intuito de legitimar “cientificamente” tudo o que eles sempre querem fazer é algo que traz fartas recompensas para quem atua no ramo da “educação”, isto é, dentro de um sistema escolar e universitário que é todo financiado e controlado (via Ministério da Educação) pelo governo.
Os “alto sacerdotes” do keynesianismo, com suas sinecuras nas mais prestigiosas e bem-remuneradas universidades do mundo, ensinam e pregam aquilo que é música para os ouvidos de todo e qualquer político: todos os problemas econômicos (estagnação, recessão, depressão ou qualquer outra coisa) são causados por uma escassez de consumo. E nunca, jamais são causados — como um simples bom senso guiado pela lógica diria — por uma falta de poupança ou por uma escassez de produção.
E como corrigir os problemas do baixo consumo e estimular o consumismo? Tributando os mais ricos (porque eles supostamente gastam muito pouco de sua renda no consumo e poupam muito) e repassando o esbulho aos pobres (que gastam praticamente toda a sua renda no consumo); colocando o Banco Central para imprimir mais dinheiro e repassá-lo ao Tesouro, que então irá gastá-lo (em literalmente qualquer coisa, até mesmo cavando buracos para depois preenchê-los); e colocando o Tesouro para pegar mais empréstimos, aumentando a dívida do governo.
O keynesianismo, em suma, é a teoria econômica favorita dos políticos simplesmente porque ela lhes concede um arcabouço supostamente científico para fazer aquilo que eles mais gostam: gastar dinheiro.
A teoria keynesiana diz que os gastos do governo impulsionam a economia; que expandir o crédito (melhor ainda se for subsidiado) gera crescimento econômico; que os déficits do governo são a cura para uma economia em recessão; que inchar a máquina estatal, dando emprego para burocratas, é uma medida válida contra o desemprego (quem irá pagar?); que regulamentações, se feitas por keynesianos, são propícias a estimular o espírito animal dos empreendedores. E, obviamente, que austeridade é péssimo.
Qual político resiste a isso?
Corretamente, Ludwig von Mises ridicularizou essa “programa de estímulo” econômico como sendo a vã tentativa de efetuar o milagre bíblico de transformar pedras em pães.
Os efeitos da poupança sobre o progresso e a cultura
Com tudo o que foi dito acima, está implícito o efeito benéfico que a poupança traz não só para o progresso como também para a cultura.
Em todos os locais do mundo, a maioria das pessoas se esforça e batalha para conseguir mais e melhores ofertas de alimentos, de roupas, de moradias, de automóveis, de aparelhos de televisão, de computadores, de smartphones etc., e é impossível alcançar este objetivo sem a poupança e a acumulação de capital.
E, embora algumas pessoas ridicularizem essas conquistas como sendo “apenas” progresso material ou mesmo “afetações de materialismo”, vale a pena enfatizar que é somente quando há uma melhora nas condições materiais da vida humana que a cultura humana também poderá evoluir, progredir e prosperar.
É impossível haver escritores, compositores, músicos, pintores, escultores, atores etc. se não houver papel, tinta, impressoras, instrumentos musicais, cores, aquarelas instrumentos para esculpir, teatros, museus, galerias, sala de cinema etc. Sem poupança e acumulação de capital, nada disso é possível.
Acima de tudo, não existiria nada disso se a riqueza e a prosperidade material permitidas pela poupança e acumulação de capital não tivessem permitido tempo livre para tais atividades.
Mas só a poupança não basta – é necessário haver inventores e empreendedores
Por mais importante e indispensável que seja a poupança para a prosperidade econômica e para o aumento do padrão de vida, ela por si só não basta.
Podemos poupar o máximo que conseguirmos e acumular enormes quantidades de bens de consumo intactos (não consumidos); porém, se não tivermos a menor ideia de como investir essa poupança, isto é, de como convertê-la ou em bens de capital que aumentem a produtividade ou em novos e melhores bens de consumo, não haverá nenhum grande progresso gerado pela poupança.
Ou seja, além de poupar e acumular, é necessário ter a ideia de uma rede, de um barco, de um martelo, de uma casa, de um carro, de uma calculadora, de um computador, de um telefone celular etc., e é necessário ter o conhecimento de como projetar e fabricar estes itens. E isso requer imaginação, inteligência, criatividade, engenho e habilidades, todas elas características humanas.
A diferença entre nós e o homem das cavernas é que nós, hoje, temos mais conhecimento do que eles. Biologicamente, somos os mesmos. Os neurônios em nossos cérebros são os mesmos. O mundo físico à nossa volta é o mesmo (todos os recursos físicos necessários para se fazer celulares, tablets, computadores, carros e aviões já existiam naquela época). Mas a nossa vida hoje é infinitamente melhor e mais confortável por causa do nosso conhecimento acumulado, o qual permitiu o surgimento de várias invenções que nos trouxeram enormes melhorias materiais (e também culturais).
Consequentemente, qualquer sociedade que tenha a intenção de melhorar suas próprias condições materiais deverá reconhecer a importância destes talentos e qualidades humanas, e honrar aqueles indivíduos que demonstrarem tê-las.
E a maneira de fazer isso não é concedendo a estes inventores e inovadores privilégios garantidos pelo estado, como monopólios intelectuais (conhecidos como “patentes”), uma vez que isso irá retardar e distorcer a difusão do conhecimento humano. A maneira certa é dando-lhes louvores e reconhecimento público.
Mais ainda: reconhecimento e louvor devem também ser direcionados a empreendedores e aos talentos empreendedoriais, e não apenas aos inventores. Afinal, não basta apenas ter poupadores e criadores engenhosos ou mesmo fabricantes de novos e melhores bens de capital e de consumo. Para melhor satisfazer as demandas dos consumidores e aumentar o padrão de vida material, também é necessário que todos os produtos sejam produzidos da maneira mais racional, mais econômica e menos custosa possível, de modo que a produção de um bem específico não se dê em detrimento da produção de outro bem mais demandado e mais valioso.
É neste ponto que o empreendedor e o talento empreendedorial — em busca do lucro e tentando evitar prejuízos — entram em cena. O empreendedor poupa ou pega emprestado dinheiro de poupadores (com a promessa de que irá pagar o principal mais juros), contrata e paga inventores, técnicos e outros trabalhadores, compra ou aluga terreno, matérias-primas e bens de capita para então, finalmente, produzir o produto final que ele tenha optado por produzir.
Ele faz tudo isso na esperança de que irá obter um lucro monetário, isto é, receberá mais dinheiro com a venda do seu produto final do que gastou em sua produção.
Colocando de maneira simples, o empreendedor adquiriu materiais que, em seu estado bruto e inalterado, valiam $100 e então alterou essa matéria-prima e adicionou criatividade e mão-de-obra, gerando um produto final que as pessoas irão voluntariamente adquirir por $150. Seu lucro é uma indicação de que ele foi bem-sucedido em transformar um insumo até então menos valioso para a sociedade em um produto final mais valioso. Ao fazer isso, ele gerou valor para a sociedade e auferiu um lucro por causa disso. Ele aumentou não apenas o seu próprio bem-estar como também o bem-estar social dos consumidores.
No entanto, ser um empreendedor em busca do lucro é uma atividade extremamente arriscada. O empreendedor não tem nenhum controle sobre os potenciais consumidores do seu produto. Eles podem não estar dispostos a pagar o preço pedido — ou então, a este preço pedido, podem querer comprar apenas uma quantidade menor do que a que foi produzida.
Assim, tambem há a constante ameaça de um prejuízo financeiro, com ele gastando mais dinheiro na produção do que recebendo com as vendas — o que traria não apenas um prejuízo monetário e pessoal para ele, como também e ao mesmo tempo representaria uma perda de bem-estar em decorrência de um desperdício econômico.
Voltando ao exemplo acima, ele adquiriu materiais que, em seu estado bruto e inalterado, valiam $100 e então alterou essa matéria-prima e adicionou criatividade e mão-de-obra, gerando um produto final valorado em apenas $50 pelas pessoas. Ele não apenas teve um prejuízo financeiro, como também subtraiu riqueza da sociedade, imobilizando recursos escassos em produtos pouco valorados.
São pouco os que conseguem
O sucesso e o fracasso empreendedorial não são uma mera questão de boa ou má sorte, como em uma loteria. O sucesso depende da capacidade do empreendedor de fazer uma correta estimativa das demandas futuras dos consumidores em relação a um produto ou serviço específicos.
E o talento humano necessário para identificar corretamente consumidores em potencial, bem como futura disposição deles em pagar por esse bem ou serviço específico, é um talento que não está distribuído igualmente entre todas as pessoas.
A maioria das pessoas ao redor do mundo possui pouco ou mesmo nenhum talento nesta área, e consequentemente nem sequer tentam se aventurar no empreendedorismo. E, mesmo entre aqueles que se aventuram, a maioria fracasse e rapidamente desaparece da área. Somente um pequeno número de pessoas possui o necessário talento empreendedorial para, de maneira contínua, se mostrar bem-sucedido e, com isso, se manter no ramo por muito tempo em um mercado concorrencial e não protegido pelo governo.
Estes, acima de tudo, devem ser publicamente reconhecidos e louvados (e jamais serem invejados), se o objetivo for a melhoria das condições materiais da humanidade.
Disponível em Mises Brasil: https://bit.ly/3wSnVIv
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