A atual onipresença do Supremo Tribunal Federal traduz nota de relevo da atual quadra histórica brasileira. Se, por um lado, o fenômeno enaltece a maturidade de um Poder Judiciário livre, independente e atuante, do outro, pode estar a indicar preocupante desbordamento da jurisdição constitucional sobre competências políticas – e não, jurídicas –, acarretando consequente desajuste sensível na estrutura do equilíbrio republicano. O tema, altamente complexo, versa sobre cambiantes e circunstanciais variáveis do poder que não se resolvem por lógicas objetivas ou por pensamentos lineares. Fundamental ter tato e bem compreender o silêncio das entrelinhas, pois há razões invisíveis aos olhos.
Ao escrever artigo seminal sobre os desafios da segurança e militarização contemporânea, o General americano Charles J. Dunlap Jr cunhou a expressão “lawfare” para indicar o uso indevido da legalidade para fins bélicos, vindo a pontuar a “evidência perturbadora de que o Estado de direito está sendo sequestrado em outra forma de luta (lawfare), em detrimento de valores humanitários, bem como da própria legalidade”. Ou seja, sob bandeiras aparentes de princípios jurídicos elevados, acaba-se por subverter a legalidade constitucional, transformando a garantia do devido processo legal em instrumento de ataque e fragilização institucional da República. Assim, sob a fantasia de legalidade, finca-se o abuso e o arbítrio autoritário.
Agrava o fenômeno, arquitetada estratégia de progressiva judicialização de temas políticos genuínos que deveriam ser, por simetria, politicamente resolvidos. Diante da inação responsiva dos poderes políticos competentes, a prematura ou excessiva provocação da via judicial, além de potencial confusão de competências constitucionais, redunda em perigoso esfavaziamento da autoridade do Parlamento e Executivo como instâncias soberanas de consolidação democrática e construção política do possível.
Ora, sabidamente, a natureza do poder é intrinsecamente extensiva e dinamicamente expansiva. O poder sempre quer mais, testa limites, faz ousadias, vai ao céu e, às vezes, volta à terra. Com pés no chão, estamos a viver um anômalo “constitucionalismo antidemocrático”: em um altar sem fé, exalta-se a Constituição não para se fazer justiça, mas para se transpor a vontade democrática legítima. Ou seja, a democracia vota, mas não mais decide.
Houve um tempo em que a lei não era respeitada porque inexistiam tribunais para protegê-la. Hoje, felizmente, os temos, mas estamos a perder a via política. Aliás, democracia sem política é como uma Constituição sem justiça. No final, nenhuma vive sem a outra. É claro é que possível uma mera vida aparências. Mas, nesse teatro de imagens vazias, ou democracia já era ou a Constituição já se foi. Onde estamos? Talvez no entreato dos acontecimentos.
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