Nota do Editor:
O dólar bateu R$5,70.
Em um forte rally, o dólar saltou da casa dos R$5,10 em meados de maio para o elevado patamar atual. E há quem defenda que tem espaço para mais desvalorização do real.
O rally coincide com as falas assustadoras do presidente Lula – apesar da pronta reação do governo em apontar a alta como “especulação” ou como “culpa do Banco Central”, uma vez que o presidente do Bacen ainda é Roberto Campos Neto.
Em 2015, Fernando Ulrich escreveu um artigo neste site, discutindo a então marca recorde do dólar a R$4 e questionando a possibilidade de chegar aos R$6. No artigo, Ulrich trata da teoria da paridade do poder de compra e levanta pontos que são novamente atuais, dada a situação econômica e política do país.
Confira.
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O dólar ultrapassou a marca de R$ 4, quebrando mais um recorde no Plano Real – a maior marca de toda a história da moeda brasileira –, outro feito nada invejável do atual governo.
Para muitos economistas, câmbio a R$ 4 já uma realidade difícil de mudar. Os prognósticos variam apenas na intensidade com que o dólar irá subir nos próximos meses.
Há pouco mais de um mês escrevi um artigo para analisar se o dólar estava caro ou barato e até onde poderia ir. A conclusão então é a mesma que segue: o real já está bem subvalorizado, bem abaixo do que seria o seu valor justo, ou correto, de acordo com a teoria da paridade de poder de compra. O preço de “equilíbrio” do dólar estaria situado ao redor de R$ 3,15.
Como cheguei a essa conclusão? Utilizando a taxa de câmbio real (TCR), a qual considera a variação do poder de compra das duas moedas — real e dólar, calculados pelos índices de preços ao consumidor de cada país (IPCA e CPI) –, podemos aferir qual seria o valor justo para o câmbio. Isso não significa afirmar que o dólar a R$ 4,13 esteja errado. O preço praticado pelo mercado neste momento é esse e ponto.
O que a análise da TCR evidencia é o quão descolado dos fundamentos está o câmbio. Em outras palavras, levando em conta apenas a variação da depreciação relativa entre duas moedas — a velha teoria da paridade de poder de compra –, um dólar acima de R$ 3,15 não pode ser explicado apenas pelos fundamentos, há outras forças em jogo levando o câmbio para longe do que seria razoável.
E como evoluiu a própria TCR calculada pelo Banco Central (Bacen)?
Ao fim de junho, a TCR estava em 99,8; mas após a subida incansável do dólar, o índice fechou o mês de agosto em 111,61, apontando um desalinhamento considerável em relação ao valor justo — quanto mais distante de 100, mais em “desequilíbrio” estaria a taxa de câmbio.
E assumindo que a cotação da moeda americana permanecerá no nível atual por mais alguns dias, ao fim de setembro a TCR indicará um descolamento ainda mais proeminente.
De fato, o câmbio atingiu a marca histórica de R$ 4, superando a cotação alcançada lá no final de 2002 quando o dólar quase chegou nesse patamar. Mas o câmbio a R$ 4 em 2015 é comparável ao câmbio a R$ 4 em 2002? Para responder essa pergunta, analisemos novamente o gráfico da TCR.
A maior marca registrada pelo índice foi de 206,11 em outubro de 2002, mês das eleições presidenciais quando o câmbio disparou para cerca de R$ 4. Era o auge da turbulência dos mercados, fruto do temor de um futuro governo de esquerda ansioso para avacalhar com o Plano Real e minar os fundamentos da economia.
Hoje, porém, o dólar sendo negociado a R$ 4 não levará a TCR para 206. Considerando que em agosto o índice alcançou 111, quando o câmbio estava ainda ao redor de R$ 3,50, a TCR atualmente deve situar-se entre 120 e 130.
O exercício interessante a fazer, então, é: se tivéssemos hoje o mesmo descolamento entre câmbio vigente e câmbio correto lá de 2002, qual seria o dólar atualmente? Dito de forma mais direta, se a TCR fosse hoje 206,11, o mesmo patamar de outubro de 2002, qual seria o dólar implícito hoje? Nada menos que R$ 6,50!
Isso quer dizer que em 2002 o descolamento do câmbio de mercado do seu valor justo foi uma absurdidade, o que comprova o quanto o mercado desconfiava de um futuro governo petista no poder.
A pergunta que ninguém sabe responder é: será que o dólar passa de R$ 5? Será que passa de R$ 6?
No artigo anterior, concluí dizendo que: “Em 2002, as contas estavam ajustadas internamente, mas um tanto vulneráveis no front externo. Ao contrário daquele ano, hoje o desajuste está nas contas internas. Mas de forma semelhante àquele ano, o câmbio virou novamente um termômetro da desgovernança política brasileira”.
De fato, a rápida subida do termômetro do dólar reflete rigorosamente o que ocorreu desde então. Em menos de 30 dias o governo Dilma Rousseff fez lambança atrás de lambança — como o orçamento com déficit primário enviado ao congresso, algo inédito na história contemporânea do país –, levando o mercado a questionar cada vez mais a saúde fiscal do governo e a reduzir as projeções de crescimento econômico e, de quebra, antecipando o rebaixamento da classificação de risco do país pela agência Standard &Poors.
Confesso ter subestimado a capacidade do governo de desgovernar em tão pouco tempo. A aptidão desse time para aprofundar ainda mais a crise política e econômica é ímpar. Isso o mercado não perdoa, e o câmbio é o reflexo direto do caos institucional e econômico que vivemos.
Naquela época, as contas externas estavam bastante vulneráveis, hoje não estão. Mas em 2002, a economia real não estava tão bagunçada quanto hoje está. Não estávamos diante da forte recessão que hoje bate à porta de todos os cidadãos.
A alta do dólar de 2002 deveu-se a uma crise de confiança clara e bastante pontual. A correção daquela conjuntura não era uma tarefa hercúlea. Bastava o governo Lula sinalizar ao mercado que manteria a política econômica longe das heterodoxias propostas pela ala radical do Partido dos Trabalhadores e a confiança retornaria para acalmar o câmbio. Foi justamente o que aconteceu. Felizmente.
Hoje estamos em uma situação muito mais complexa, pois o quadro político é mais imprevisível que o de 2002, e os ajustes necessários para reconduzir a economia ao crescimento são muito mais profundos. Por isso tudo esta já é a pior crise da história do Plano Real com alta probabilidade de agravar-se ainda mais.
Pode o dólar chegar a R$ 6? Sinceramente, pode. É claro que pode. É provável? Teimarei mais uma vez em afirmar que não. A verdade é que na atual conjuntura, qualquer previsão é especulação pura. Wild guessing.
Mas em vez de prever se o câmbio superará R$ 5 ou R$ 6, a resposta mais precisa, talvez, seja afirmar que o dólar dificilmente volta para R$ 3 tão cedo — se é que voltará algum dia. Ao que tudo indica, dificilmente baixará de R$ 4.
Mas, em caso de dúvida, compre dólar.
Por: Por Fernando Ulrich
03/07/2024
*Este artigo foi originalmente publicado em 23 de setembro de 2015.
Disponível em Instituto Mises: https://bit.ly/3zxpjnt
Quer entender mais sobre economia e finanças? Dicas de leituras:
“As seis lições” – Ludwig von Mises (Autor)
“A lei” – Frédéric Bastiat (Autor)
“A Mentalidade Anticapitalista” – Ludwig von Mises (Autor)
“A lógica da economia – Ensaios sobre mercado e as leis invisíveis que organizam a sociedade” – Frédéric Bastiat (Autor)
“Sobre Dinheiro e Inflação” – Ludwig von Mises (Autor)
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