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Soluções para problemas complexos requerem o maior número possível de mentes criativas interagindo

Por Donald Boudreaux
 06/07/2024

“‘Deixem o mercado cuidar disso! Deixem o mercado cuidar daquilo!’  Você não se cansa de ficar repetindo essa fórmula simplista?”.

Assim terminava um e-mail que recebi de um leitor.

O professor de Harvard, Dani Rodrik, muito querido nos círculos protecionistas, vai na mesma linha. Em seu livro Economics Rules, ele escreve: “A abordagem do hamster para um problema é previsível: a solução está sempre no livre mercado. […] Já as raposas, em algumas ocasiões, recomendam mais mercados e, em outras, mais governo.” De acordo com Rodrik, é melhor ser uma raposa do que um hamster.

Esse argumento, à primeira vista, parece ser o ápice da sensatez.  Reformulado, ele está dizendo que:

É dogmático e perigoso supor que uma solução ou uma abordagem é a resposta para absolutamente todos os problemas. Há problemas que só podem ser solucionados com chaves de fenda; outros, só com martelos. Somente um tolo insistiria em usar uma chave de fenda em vez de um martelo para pregar um prego; ou usar um martelo para atarraxar um parafuso. Já o indivíduo sábio, não-ideológico, iluminado, sensato, de cabeça aberta, e cientificamente atento sabe que, em algumas situações deve usar uma chave de fenda e, em outras, um martelo. O que poderia ser mais sensato do que isso?

O erro dessa formulação é fácil de ser apontado: o mercado — ou seja, a livre, espontânea e voluntária interação entre as pessoas — não é apenas uma ferramenta; o mercado são várias ferramentas.

O mercado é um kit de ferramentas que contém muito mais ferramentas do que as que os burocratas do governo possuem.

Ao passo que o governo possui apenas algumas poucas ferramentas — majoritariamente martelos (algumas marretas), serrotes e braçadeiras –, o mercado está repleto de várias e incontáveis ferramentas. E suas ferramentas são muito mais diversas, variadas, especializadas e criativas do que aquelas contidas naquele simples e limitado conjunto do governo.

Dizer “deixe o mercado cuidar disso” é apenas uma maneira sucinta de dizer “deixem que qualquer indivíduo (ou grupo de indivíduos) que se mostre mais disposto, mais capacitado, mais experiente, mais sagaz, mais versado e mais bem equipado tenha a liberdade para tentar lidar com cada problema específico”.

E dizer “deixe que o mercado sempre cuide disso” não significa — contrariamente ao que Rodrik sugere — propor uma solução única e simplista para todos os problemas. Significa, ao contrário, propor que o campo seja mantido aberto para que todas as soluções exequíveis possam ser tentadas.

Dizer “deixe que o mercado sempre cuide disso” é alertar para o fato de que utilizar o governo para tentar corrigir um problema é uma atitude que sempre irá impedir que outras várias soluções criativas e experimentações inovadoras sejam tentadas.

Em suma, a escolha não é entre apenas duas soluções possíveis: o mercado ou o governo. Ao contrário, a escolha é entre um conjunto gigantescamente amplo e variado de soluções possíveis (o mercado, com seus vários mestres de obras e carpinteiros altamente especializados e detalhistas) ou entre um ínfimo conjunto que apresenta apenas uma solução (o governo, com seus burocratas que manejam martelos, serrotes e braçadeiras).

E, ao contrário de empreendedores correndo riscos no mercado, não seria muito sensato presumir que esses burocratas com martelos, serrotes e braçadeiras possuam conhecimentos profundos sobre qualquer um dos problemas que eles sejam convocados a “consertar”.

Consistência não é simplicidade

Sim, devo admitir que minha solução proposta para vários problemas relacionados a políticas públicas é dizer “deixe o mercado cuidar disso”. Mas essa resposta aparentemente simplista não é nem ingênua e nem preguiçosa. Ela é realista.

Ela reflete meu entendimento de que qualquer problema que você imaginar — reconstruir uma terra arrasada por um terremoto, fornecer educação e saúde de excelente qualidade para crianças e adultos, reduzir congestionamentos em ruas e estradas, fornecer uma moeda de qualidade, construir pontes e estradas, fornecer água tratada e encanada — será mais bem resolvido, com muito mais eficiência, presteza e baixo custo, por indivíduos atuando livremente na arena das trocas voluntárias e pacíficas (mercado) do que por burocratas do governo.

Dizer “deixe o mercado cuidar disso” é o oposto de dar uma resposta simplista: essa frase sintetiza a mais completa rejeição a uma solução única para tudo fornecida por burocratas com um poder centralizado. Significa endossar um arranjo incomensuravelmente complexo para lidar com o problema em mãos.

Recomendar o mercado (a livre interação entre pessoas) em lugar do governo (a intervenção de burocratas) significa a humildade de reconhecer que ninguém possui informação e conhecimento suficientes para determinar, ou mesmo para prever, quais métodos específicos são os melhores para lidar com o problema.

Recomendar o mercado, com efeito, significa recomendar que se permita que milhões de pessoas criativas, cada uma com perspectivas distintas e com seus próprios conhecimentos e percepções, voluntariamente contribuam com suas próprias idéias e esforços para lidar com o problema.

Recomendar o mercado é recomendar não uma solução única e simplista, mas sim um processo descentralizado que gera vários experimentos concorrenciais, os quais então levam à descoberta das soluções que funcionam melhor sob aquelas circunstâncias.

Recomendar o mercado é entender a genialidade daquela importante constatação de James Buchanan, que disse que “a ordem é definida durante o processo de seu surgimento”.

Esse processo é flexível e estimula a criatividade. Ele também nega a qualquer um o poder de impor unilateralmente sua própria visão sobre todos.

Em suma, aconselhar que “deixem o mercado cuidar disso” é uma maneira abreviada de dizer que “eu não tenho um plano simplista para lidar com esse problema; com efeito, rejeito todos os planos simplistas. Somente uma instituição competitiva e descentralizada, e que recebe contínuas informações de todos os indivíduos que dela participam (ou seja, o mercado), pode ser confiável o bastante para descobrir e implantar uma solução suficientemente detalhada para lidar com o problema em questão”.

Dito tudo isso, vale ressaltar que os mercados só funcionam otimamente sob um arranjo em que a propriedade privada esteja protegida, os contratos firmados sejam respeitados, a cultura empreendedora seja forte, e o meio de troca utilizado (o dinheiro) não seja achincalhado. Se tais instituições estiverem ausentes, dificilmente haverá um mercado para lidar com qualquer problema.

Mas se essas instituições estiverem presentes, então os mercados irão se revelar espantosamente criativos e confiáveis. Recorrer ao mercado para lidar com problemas representa, portanto, o caminho mais sábio.

Conclusão

Infelizmente, no entanto, a tolice frequentemente triunfa sobre a sabedoria. As pessoas frequentemente pressupõem que grandes problemas sociais só podem ser resolvidos por um grupo específico e pré-determinado de pessoas, as quais magicamente possuiriam a chave para a solução.

Embora declarar que “deixem o governo cuidar disso” possa parecer uma solução, tal atitude é meramente um sinal de uma fé simplista e sem qualquer fundamento: uma fé de que as pessoas investidas de poder não irão abusar deste poder; de que burocratas nomeados por políticos possuem respostas melhores do que milhões de indivíduos interagindo voluntariamente em busca de soluções próprias, colocando seus próprios recursos e sua própria reputação em jogo; de que apenas aquelas “soluções” escritas em estatutos e regulamentações, e implantadas por burocratas assalariados, representam soluções verdadeiras e factíveis.

Portanto, sim, mostrem-me um problema e eu provavelmente responderei que “deixem o mercado cuidar disso”. E irei responder dessa maneira porque não apenas sei que meus parcos conhecimentos e esforços jamais estarão à altura do desafio de solucionar problemas complexos, como também sei que nenhum político ou burocrata entre nós tem o poder de saber a melhor solução para todo e qualquer problema social.

Soluções para problemas sociais complexos requerem o maior número possível de mentes criativas interagindo voluntariamente entre si — e isso é exatamente o que o mercado entrega.

 

*Este artigo foi originalmente publicado em 20 de março de 2022.

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Nota: as visões expressas no artigo não são necessariamente aquelas do Instituto Mises Brasil

Disponível em Mises Brasil: https://bit.ly/4flDmNF

Dicas de leituras:

 

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